terça-feira, 3 de junho de 2014

Um ano após protestos, satisfação de brasileiros cai igual à de países da Primavera Árabe




Cláudia Trevisan - Correspondente de O Estado de S. Paulo
03 Junho 2014 | 11h 00

Pesquisa de instituto americano mostra que problemas na economia e frustração com políticos derrubam humor da população em níveis comparáveis ao do Egito e de nações que passaram por crises institucionais

WASHINGTON - A percepção do brasileiro em relação à situação do País, à conjuntura econômica e ao governo Dilma Rousseff se deteriorou de maneira acentuada em apenas um ano, desde que milhares de pessoas tomaram as ruas do País para protestar contra a corrupção e a má-qualidade dos serviços públicos, como revela levantamento inédito do Pew Research Center, um dos principais institutos de pesquisa dos EUA.
A radical mudança de humor em um espaço tão curto de tempo é rara, disse ao Estado Juliana Horowitz, brasileira responsável pelo trabalho. Segundo ela, o Pew Research realizou levantamentos em 82 países desde 2010 e só viu oscilações tão acentuadas em lugares que passaram por crises ou rupturas institucionais, como o Egito.
"O nível de frustração expressado pelos brasileiros em relação à direção de seu país, sua economia e seus líderes não tem paralelo em anos recentes", diz o texto de apresentação da pesquisa.
Horowitz ficou surpresa com a magnitude da transformação na opinião pública e atribuiu essa mudança principalmente à piora da situação econômica e ao aumento da inflação. A insatisfação com a realização da Copa do Mundo no Brasil também contribuiu: 61% dos entrevistados responderam que o evento é ruim para o País, por tirar recursos que poderiam ser usados em serviços públicos.
Na comparação com o ano passado, a mudança mais acentuada de humor ocorreu na percepção da situação econômica. O porcentual dos entrevistados que a classifica de "ruim" subiu de 41% para 67%, enquanto o índice dos que a consideram boa caiu de 59% para 32%. A inflação foi apontada como o principal problema brasileiro por 85% dos entrevistados, pouco acima da criminalidade e da assistência médica, ambos com 83% das menções.
Apesar de o desemprego estar em patamares historicamente baixos, 72% disseram que a falta de oportunidades de trabalho é o maior problema do Brasil, o que colocou essa questão em quinto lugar entre 14 itens.
Até o ano passado, havia um descolamento entre a avaliação da economia e da situação do País como um todo. Apesar de 55% declararem que estavam insatisfeitos "com as coisas" no Brasil, 59% diziam que a situação econômica era boa. Na nova pesquisa, as duas linhas convergiram, observou Juliana Horowitz. O porcentual de insatisfeitos subiu para 72%, enquanto o dos que reprovam a economia saltou para 67%. "Em parte isso reflete o fato de que o País não está crescendo", afirmou.
Depois de ter expansão de 2,3% em 2013 - abaixo da média dos países emergentes -, o PIB brasileiro aumentou apenas 0,2% no primeiro trimestre de 2014, na comparação com os três meses anteriores. A inflação fechou 2013 em 5,91% e há o risco de que, em 2014, ela supere o teto de 6,5% definido pelo Banco Central.
Segundo o levantamento, a frustração com a situação econômica azedou a avaliação da gestão Dilma, cuja atuação no enfrentamento de problemas-chave é desaprovada por maioria expressiva dos entrevistados. Para 86%, o governo é inepto no combate à corrupção, e 85% desaprovam sua performance em relação à criminalidade e à assistência médica. A administração da economia é reprovada por 63% dos entrevistados.
A influência de Dilma sobre o Brasil é avaliada como negativa por 52% dos consultados e como positiva por 48%, o que mostra uma população divida. Os números indicam que no último ano de seu mandato, em 2010, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha avaliação muito melhor: 84% diziam que sua influência no Brasil é positiva e apenas 14% a classificaram de negativa.
Mas Dilma conseguiu resultados mais positivos que os de seus principais adversários na disputa eleitoral, Aécio Neves e Eduardo Campos. Em um placar quase de empate, uma ligeira maioria (51%) disse ter opinião favorável da presidente, enquanto 49% optaram pelo desfavorável. No caso do tucano, a visão desfavorável alcançou 53% e a favorável, 27%. A opinião em relação a Campos, do PSB, é desfavorável entre 47% dos entrevistados e favorável para 24%.
Ainda há uma parcela do eleitorado sem opinião formada sobre os dois candidatos de oposição, o que poderá aumentar ou diminuir sua popularidade no futuro, ponderou Juliana Horowitz. Vinte por cento dos entrevistados não se manifestaram sobre Aécio. Em relação a Campos, o porcentual foi de 27%.
O Pew Research elaborou os questionários da pesquisa e o trabalho de campo no Brasil foi feito pela empresa Market Analysis, de São Paulo. Foram ouvidos 1.003 adultos representativos da população do País. Esse é o quarto levantamento anual que o Pew Research realiza no Brasil. O instituto é um dos mais importantes do mundo e fez pesquisas em 82 países desde 2010.

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