terça-feira, 28 de agosto de 2012

MENTALIDADE AUTORITÁRIA


Mentalidade autoritária

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Lord Acton dizia que a liberdade sempre contou com poucos amigos sinceros. Por liberdade, ele entendia a garantia de cada homem ser protegido ao fazer aquilo que acredita ser seu dever contra a influência das autoridades e da maioria, dos costumes e da opinião. O que entendo disso é que são poucos aqueles que defendem princípios gerais acima de interesses momentâneos.
Recentemente, eu escrevi artigos para os jornais Folha de São Paulo e O Globo, atacando o excesso de ingerência da Anvisa em nossas vidas. Uma gota d’água que me levou a este ataque foi a proibição da venda de cigarros com aromatizantes no país. Eu não sou fumante, mas isso não importa – e não deveria importar. É errado o governo impedir que um indivíduo maior de idade, adulto responsável, escolha fumar cigarros mentolados, ainda que prejudiciais a sua própria saúde.
A reação de muitos leitores foi o que me remeteu ao grande pensador liberal Lord Acton. A maioria que aplaude as medidas intervencionistas da Anvisa o faz porque abraçou uma cruzada antitabagista, e porque detesta o cigarro. Mas isto não deveria ser motivo suficiente para se defender a perda da liberdade dos outros. O fato de eu detestar alguma coisa não me dá o direito de usar a força para tolher o uso alheio desta coisa. O mesmo continua valendo se eu estiver em companhia de uma maioria. O princípio do ato não é alterado pela quantidade de vítimas ou de defensores que ele tem.
Foram comuns os comentários do seguinte tipo: “Se o sujeito quer se matar fumando, o problema é dele; mas eu não quero ser obrigado a inalar sua fumaça”. A colocação está perfeitamente de acordo com os princípios da liberdade individual. É respeitado o direito do outro de pensar diferente, de escolher fazer algo que eu reputo como asqueroso ou idiota, desde que ele não me obrigue a lhe acompanhar nesta trajetória. A liberdade de um acaba onde começa a do outro. Estaria tudo certo, não fosse um pequeno detalhe: o conceito da palavra “obrigado”.
Ninguém é obrigado a frequentar um bar ou uma boate. Vai porque quer. Ninguém é obrigado a trabalhar em um bar ou uma boate. São trocas voluntárias. Portanto, o que está em jogo aqui é o direito de propriedade dos indivíduos, tanto do dono dos estabelecimentos como de seus funcionários e clientes. Alguns alegam que não há liberdade quando o empregado necessita do emprego, e que não seria justo “forçá-lo” a respirar um ar impuro como fumante passivo. A lógica é falsa, além de muito perigosa.
Eu também necessito de trabalho para sobreviver. Isso não quer dizer que existe somente um empregador no mercado. Ao contrário, no livre mercado existe ampla concorrência de empregadores, a maior garantia que os trabalhadores têm de melhores salários e condições de trabalho. Ninguém me obriga a aceitar o emprego X ou Y, portanto. E as condições ofertadas em cada emprego vão sempre diferir, cabendo ao trabalhador optar por aquela que melhor lhe atende. Isso se chama liberdade, não o governo impor como deve ser o ambiente do meu emprego ou da minha empresa.
Inúmeros empregos são arriscados. O policial, para começo de conversa, corre risco de vida diariamente. Um mergulhador de plataformas profundas corre outros riscos. Um alpinista opta por riscos diferentes. Trabalhadores das minas de carvão enfrentam perigos enormes. Enfim, cada profissão tem vantagens e desvantagens, e riscos distintos. Se o governo quiser proteger todos os trabalhadores dos riscos, então terá que fechar quase tudo, a começar pelo serviço policial.
Faz sentido, então, impedir a existência de bares e boates onde o fumo é permitido, com base no argumento de que o garçom é uma vítima indefesa? E se o próprio garçom não se incomodar, ou for ele mesmo um fumante? Quem tem o direito de lhe dizer que ele não pode aceitar um emprego desta natureza? Afirmar que o garçom é “obrigado” a ser fumante passivo para preservar o emprego é o mesmo que dizer que o marido é “obrigado” a ser fumante passivo porque sua esposa fuma. Quem lhe obrigou a se casar com ela?
No fundo, a preocupação com os garçons costuma ser apenas fachada, um pretexto para defender aquilo que realmente está em jogo: o interesse em frequentar uma boate livre do cigarro que se detesta. Alguns assumem mais diretamente esta postura egoísta, afirmando que não suportam a fumaça, mas querem ter o “direito” de continuar frequentando os bares e boates. Aqui a confusão conceitual é total, e a liberdade é morta em nome dos interesses. Ninguém lhe tirou o direito de ir a qualquer lugar, ou mesmo de abrir um lugar seguindo exatamente os moldes de sua preferência. O que não pode é impor as suas preferências aos demais.
Eu posso não curtir música muito alta, ou lugar tumultuado demais, e ainda assim desejar frequentar boates. Isso me dá o direito de impor que boates devem reduzir os decibéis do som e limitar ao meu gosto a quantidade de gente? Claro que não! Cabe, a mim, procurar alguma oferta que atenda minha demanda, ou no limite criar esta oferta. A crença de que aquilo que eu não gosto deve ser proibido é típica de uma mentalidade autoritária, mesmo quando embalada na legítima preocupação com a saúde. Afinal, somos “obrigados” a inalar poluição nas cidades, e ninguém pensa em proibir os ônibus para aumentar nossa “liberdade” de respirar um ar mais puro.
Pessoas que costumam afirmar que deveria ter uma lei contra isso ou aquilo, porque não gostam disso ou daquilo, denotam forte tendência autoritária. Elas colocam seus interesses acima dos princípios gerais, e politizam questões que não deveriam ser politizadas, pois não se tratam de escolhas “democráticas”, de uma ditadura da maioria, mas sim de direitos individuais de propriedade. Defender a liberdade pode incluir a defesa de atos que ferem meus interesses imediatos. Mas somente assim eu terei meus direitos garantidos também. Só que pouca gente pensa desta forma. Infelizmente, Lord Acton estava certo: sempre foram raros os amigos sinceros da liberdade!

SOBRE O AUTOR

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Rodrigo Constantino é economista pela PUC-Rio, com MBA de Finanças pelo IBMEC e trabalha no mercado financeiro desde 1997. É articulista e autor de diversos livros, dentre os quais o novo Liberal com orgulho.

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