segunda-feira, 27 de agosto de 2012

As provas contra o BMG



Uma denúncia inédita do Ministério Público Federal, a que ÉPOCA teve acesso, acusa dirigentes do banco de cometer crimes para abastecer o mensalão

MARCELO ROCHA E LEANDRO LOYOLA




ASCENSÃO A sede do BMG, em Belo Horizonte (MG). Depois da aproximação com  o PT, o lucro do BMG subiu de R$ 85 milhões em 2002 para R$ 583 milhões no ano passado  (Foto: Beto Novaes/Estado de Minas ) 
Em março de 2006, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, enviou ao Supremo Tribunal Federal a denúncia domensalão. Nela constavam 40 acusados de participar do esquema. Dois bancos haviam abastecido o mensalão, mas apenas os dirigentes de um, o Rural, haviam sido denunciados. A cúpula do BMG não fora incluída entre os réus porque o Ministério Público queria investigar melhor as relações do banco com o governo petista. Apesar disso, Antonio Fernando apontou como o BMG participara do mensalão: “Buscando o recebimento de ganhos indevidos do governo federal, o que de fato ocorreu, os dirigentes do BMG injetaram recursos milionários na empreitada delituosa, mediante empréstimos simulados”. Pelo menos um ganho, segundo Antonio Fernando, ficara comprovado: “O BMG foi flagrantemente beneficiado por ações do núcleo político-partidário, que lhe garantiram lucros bilionários na operacionalização de empréstimos consignados de servidores públicos, pensionistas e aposentados do INSS, a partir do ano de 2003”.
Antonio Fernando enviou as informações da investigação do mensalão a seus subordinados em Minas Gerais ainda em 2006. Em dezembro daquele ano, a Procuradoria da República denunciou quatro diretores do BMG por gestão fraudulenta e falsidade ideológica. Na peça – inédita até hoje e a que ÉPOCA teve acesso –, Ricardo Guimarães, João Batista de Abreu, Márcio Alaôr de Araújo e Flávio Guimarães, os diretores do BMG, são acusados pelo Ministério Público Federal de liberar mais de R$ 43 milhões “mediante empréstimos simulados” ao PT e às empresas de Marcos Valério. Foram cinco operações, entre fevereiro de 2003 e julho de 2004. A Procuradoria também processa por falsidade ideológica os petistas José Genoino e Delúbio Soares, Marcos Valério, sua mulher, Renilda Fernandes de Souza, e seus sócios nas empresas, Ramon Hollerbach Cristiano de Mello Paz e Rogério Tolentino. O processo corre em segredo de Justiça – a Justiça Federal aceitou a denúncia contra todos os réus e diz que o caso está pronto para ser julgado.

Na denúncia, o Ministério Público concluiu que os quatro dirigentes do BMG cometeram crime de gestão fraudulenta, na forma de “pretensos empréstimos, irregularmente autorizados pelos diretores da instituição financeira, a empresas com situação econômico-financeira sabidamente deficitária, incompatível com o montante emprestado e com frágeis garantias”, nas palavras do procurador Patrick Salgado Martins. O MP afirma que o BMG emprestou dinheiro de modo displicente, sem esperar que o PT ou Marcos Valério pagassem a dívida. Salgado se convenceu disso porque o BMG perdoou altos valores na rolagem das dívidas e pela falta de registro contábil dos empréstimos nas empresas de Valério. É incomum que bancos concedam mais prazo ou mais dinheiro sem receber uma parte do pagamento. O comportamento do BMG fugia ao padrão dos conservadores bancos brasileiros. O banco só começou a cobrar o PT em junho de 2005, quando o escândalo do mensalão estava na praça.
A mensagem
Para a Justiça
É preciso investigar a fundo todas as ramificações do processo do mensalão
Para o país
Em ano eleitoral, a atenção para as contas de campanha deve ser redobrada 
O TOMA LÁ...
Os destinos do BMG e do PT se encontraram em janeiro de 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República. O PT – endividado com a campanha de 2002 e os compromissos financeiros assumidos com os líderes do Congresso – precisava de dinheiro. O BMG, até então um pequeno banco que oferecia empréstimos para a compra de carros, queria expandir seus serviços aos 21 milhões de aposentados e pensionistas do INSS, mercado com alto potencial. O PT tinha o que o BMG queria (a carteira de crédito consignado do INSS) e o BMG tinha o que o PT precisava (dinheiro para pagar suas contas).

Ainda faltava alguém que os unisse, alguém com os talentos e a discrição necessários a uma negociação do gênero – alguém como Marcos Valério. s De acordo com os autos do processo do mensalão, Valério conquistara a confiança do tesoureiro Delúbio Soares, principal encarregado de arrecadar dinheiro para o PT. Depois da eleição de Lula, afirma o processo, Delúbio dera a Valério aval para fechar negócios em nome do PT, com a garantia de que o governo petista honraria os acordos. Ainda em janeiro de 2003, antes que o governo Lula completasse um mês, Valério já iniciava as tratativas com o BMG e o Rural.
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O contato de Valério e Delúbio no BMG era, segundo o inquérito, Ricardo Guimarães, presidente do banco. De acordo com a narrativa oferecida pela leitura dos autos, primeiro Delúbio foi à sede do BMG, em Belo Horizonte, pedir dinheiro a Guimarães. Depois, Valério reforçou o pedido – e se ofereceu como avalista. Logo depois das primeiras reuniões, os autos registram que o BMG começou a liberar dinheiro para o PT e Valério. Em 17 de fevereiro de 2003, o BMG acertou um empréstimo de R$ 2,4 milhões para o PT. Delúbio e José Genoino, então presidente do PT, assinaram pelo partido. Valério assinou como avalista. Três dias depois, Valério levou Guimarães ao Palácio do Planalto, onde ambos foram recebidos por José Dirceu, então ministro da Casa Civil. O que se discutiu nesse encontro? Os três dizem que Guimarães apenas convidou Dirceu para a inauguração de um frigorífico do grupo BMG, em Goiás. (Dirceu compareceu à cerimônia meses depois.) Na reunião, eles asseguram, não se discutiram empréstimos, negócios, nada. Cinco dias depois dessa reunião, o BMG liberou um segundo empréstimo, desta vez para a SMP&B, uma das agências de Valério, no valor de R$ 12 milhões. Em poucas semanas, a aproximação com o BMG rendera R$ 14,4 milhões ao PT e às empresas de Valério.
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Em setembro de 2003, segundo depoimentos presentes nos autos do processo, Valério foi incumbido pelo PT de “ajudar” a psicóloga Maria Ângela Saragoça, ex-mulher de Dirceu, a “melhorar de vida”. Novamente, Valério recorreu ao BMG e ao Rural. O Rural liberou dinheiro para que ela comprasse um apartamento mais espaçoso. O BMG deu um emprego a ela, na área de recursos humanos do banco. Ângela já tinha emprego. Dava expediente até as 5 da tarde no serviço público em São Paulo. Ela afirmou mais tarde que trabalhava para o BMG à noite e nos fins de semana. “Minha obrigação era atender, atender não, trabalhar lá meio período bancário. Três horas por dia”, disse. Em janeiro de 2004, o BMG emprestou mais dinheiro a Valério. Foram R$ 15 milhões para a Graffiti, outra de suas agências. Em julho de 2004, saiu o quinto e último empréstimo do BMG ao grupo do mensalão. Ao todo, o BMG liberara R$ 43,6 milhões.
O que dizem os documentos sobre o BMG (Foto: reprodução)

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