quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Professor pró-invasão da USP fica dodói e diz que assim não quer brincar. Ah… Mas eu quero!


23/11/2011
 às 6:45

Reinaldo Azevedo



Vladimir Safatle, professor da USP e articulista da Folha, escreve hoje um artigo intitulado “Sem resposta”. É pra mim. De saída, noto algo interessante em seu procedimento. De tal sorte considera que todos os seus eventuais leitores sabem quem sou e o que escrevi a seu respeito que acha dispensável citar meu nome. Mas eu não tenho receio de citar o seu. Vamos lá, com o seu artigo em vermelho e os meus comentários em azul. Garanto que vocês vão se divertir.
“O estilo é o próprio homem.” Essa frase do conde de Buffon, enunciada à ocasião de sua entrada na Academia Francesa, merece ser levada a sério.
Ela nos lembra como determinados homens sabem que nada lhes é mais importante do que conservar um certo tom, uma forma que aparece, sobretudo, na palavra escrita. Eles sabem que, se perderem tal forma, trairão o que lhes é mais importante, a saber, um modo de ser.
Oba! Eu gosto do discurso de Buffon. O primeiro trabalho na faculdade de que realmente me orgulhei foi sobre esse texto. Vamos ver.
Isso talvez explique porque eles nunca responderão a situações nas quais a palavra escrita resvala para o pugilato, nas quais ela flerta com as cenas da mais tosca briga de rua com seus palavrões e suas acusações “ad hominen”. Seria, simplesmente, ignorar a força seletiva do estilo.Huuummm… Safatle cita Buffon, mas não estou certo de que o tenha lido. Deixo isso para uma nota de rodapé. Compreendo que ele tenha decidido sair correndo para demonstrar seu estilo e sua coragem. Eu apontei já faz algum tempo o seu flerte com o terrorismo numa resenha que escreveu de um livro de Slavoj Zizek — seguindo a trilha da delinqüência intelectual do resenhado. Em seu artigo, Safatle, desrespeitando as lições de Buffon, que recomenda a busca da simplicidade e da clareza, tratou os terroristas como “sujeitos não-substanciais que tendem a se manifestar como pura potência disruptiva e negativa”. Huuummm… Como tenho bom humor, fazer o quê?, afirmei que um pum no elevador também é um “sujeito não-substancial que tende a se manifestar como pura potência disruptiva e negativa”. Ou não?
Fui generoso com ele. Com essa embromação, este senhor estava admitindo no universo das pessoas aceitáveis os facínoras que explodem crianças em Israel ou no Iraque, que destroem edifícios em Nova York, matando três mil pessoas, que interrompem vidas nos subterrâneos do metrô em Madri e que lançaram o mundo numa paranóia que deixou a vida mais triste. E tudo porque eles entendem que terror é política. Com a minha metáfora do “pum”, tentei poupar Safatle de algo muito pior: o seu próprio pensamento.
Ele preferiu não responder. Não se sentiu atingido. O que o deixou magoado foi outra coisa. Safatle decidiu ser uma espécie de animador de auditório da invasão da reitoria promovida pelos encapuzados da USP. Mais do que isso: mostrou-se um crítico severo do restabelecimento do estado de direito na universidade, que entrou com um pedido de reintegração de posse. E está bravo comigo porque sugeri que ele fosse defender os sem-terra que invadiram uma fazenda de sua família em Catalão, em Goiás.
Os Safatles fizeram o quê? Ora, entraram com um pedido de… reintegração de posse! É o normal nesses casos, não? E olhem que não há dúvida sobre quem é o dono da USP: é o povo de São Paulo — logo, ela não pode ser privatizada pelos invasores. Mas há dúvidas sobre quem é o dono da tal fazenda, que está enrolada com o Banco do Brasil. Uma das pichações no prédio invadido recomendava: “Invada a reitoria que existe em você”, num misto, assim, de PCO com Gabriel Chalita; um troço meio “socialismo da auto-ajuda”. O que direi a Safatle, um estudioso, consta, de Lacan? “Conteste o reitor que você tem em casa”. Eu também demonstrei que ele cometeu um erro de matemática na análise que fez do ranking das universidades. É uma questão de conta. Dois mais dois serão sempre quatro, pouco importa a ideologia de quem soma.
“Palavrões”? Quais palavrões? Não há nenhum nos textos em que interpelo o “intelectual” Safatle! Neste momento, circula um panfleto xexelento na USP que só não me chama de santo. O resto vale. Foi redigido e impresso por aliados do professor, gente que ele paparica. Eu não xingo ninguém. Em primeiro lugar, não é do meu feitio. Em segundo, a VEJA Online não permitiria. As opiniões que expresso aqui são minhas, não do site, mas há regras.
Argumento “ad hominem” por quê? Não contestei suas idéias porque ele é feio, careca, míope, tem barbicha ou mimetize os terninhos de outro Vladimir, o Lênin. Não o faria nem que eu fosse o jovem Alain Delon. Infelizmente, não sou. Eu o convoquei a vivenciar, na prática, as suas idéias revolucionárias, como fez, por exemplo, o jovem Trotsky, que abandonou o pai latifundiário. Que mal há nisso? Por que uma pessoa que defende invasores da reitoria da USP não defenderia sem-terra invasores da fazenda da família? Que justiça social bastarda é essa que pula o próprio quintal? Nessas coisas, eu sou severo, sabem? Cansei de ver bacanas comprometidos com a justiça social, mas que se negam a registrar em carteira suas respectivas empregadas domésticas, como a minha mãe foi um dia. Como se vê, eu tenho compromisso de classe. Pelo visto, Safatle também!
Ah, sim, na linha “o estilo é homem”, professor Safatle, lembro que o certo, no caso do seu texto, é “por que”, não “porque”. Lembre-se de Buffon: é preciso prezar a língua.
Ele aproxima certas pessoas, mesmo que suas ideias sejam radicalmente antagônicas, assim como afasta definitivamente outras.
O “ele”, aí, é o estilo. Bem, eu não quero me aproximar nem me distanciar de ninguém. Sigo uma regra básica: as pessoas dizem o que pensam, e eu digo o que penso. O problema, em certos círculos, é que você só é considerado gente “do bem” se escrever o que eles pensam. Aí não dá!
Houve uma época, não muito distante, que o pensamento conservador teve mais estilo. Há de se reconhecer que, para alguém de esquerda, seria uma experiência de aprimoramento discutir com conservadores como Daniel Bell, Leo Strauss, Isaiah Berlin ou mesmo com o anarcocapitalista Robert Nozick, entre tantos outros de inegável inteligência. Ganha-se em precisão quando ouvimos oponentes sem precisar reduzi-los a caricatura.
No Brasil, atualmente somos obrigados a ter certa nostalgia da época em que o pensamento conservador nacional conseguia produzir alguém como José Guilherme Merquior, mesmo que este tenha terminado como ghost-writer de Fernando Collor. De toda forma, ao menos ele realmente lia os autores que criticava, o que parece ter se tornado algo supérfluo nos dias que correm.
Vamos lá, com Buffon: “houve uma época em que…”; “reduzi-los à caricatura”. Notem: eu faço essas observações de língua porque quem, de saída, escolheu Buffon foi Safatle, não eu. Não se faz uma citação como essa para sair, em seguida, atropelando a base material do discurso. Agora vamos ao que ele diz, já que o modo como diz se mostra, e não é a primeira vez, sofrível. O estilo é o homem.
Os leitores mais jovens não sabem e os que não acompanhavam certos embates intelectuais também o ignoram. Quando vivo, José Guilherme Merquior era impiedosamente esculhambado. Era chamado de “fascista” pra baixo. Os esquerdistas passaram a prezá-lo depois que morreu, evidenciando, mais uma vez, a sua moral torta: “direitista bom é direitista morto”.
Merquior cometeu a grande ousadia de PROVAR que o livro “Cultura e Democracia”, de Marilena Chaui, mestra de Safatle, era um plágio de um texto de Claude Lefort — era evidente, vexaminoso, escandaloso. Sabem como a esquerda reagiu, naqueles tempos pré-Internet, pré-Facebook? Com um abaixo-assinado contra… Merquior! Adivinhem do que foi chamado… “Fascista”, “direitista”, “reacionário”… O próprio Lefort, que mantinha, à época, relações muito próximas com Marilena, veio a público para dizer que se tratava de uma tentativa da “direita de desautorizar um pensamento de esquerda”, como se a opinião do plagiado mudasse o que estava à vista de todos: o plágio.
Ora, Safatle… A direita já foi melhor? É possível! Jamais me ocorreu emular com Merquior, por exemplo. Ocorre que a esquerda também já foi melhor! Teve Caio Prado Junior, por exemplo, e hoje tem Vladimir Safatle. Ele era, na origem ao menos, até mais latifundiário do que você — sei: você não gosta do meu senso de humor, né? Que pena! Se formos pensar numa escala maior, já teve Trotsky, um facínora realmente talentoso; hoje, tem Zizek.
Os esquerdistas nativos são de tal sorte pretensiosos e autoritários que acham que podem escolher com qual direita é possível discutir: “Ah, com essa, não! Eu quero outra…” Entendo. De todo modo, essa condição de “representante” da direita me é outorgada por ele. Eu apenas digo o que penso. Eis o meu crime.
Na verdade, hoje tem-se a impressão de que os conservadores rumam para transformar Glenn Beck, com sua finesse intelectual de comentarista político da Fox News e seus fieis leitores de Oklahoma (ou qualquer outra província perdida no interior dos EUA), em ideal de vida. Ou seja, seu ideal de discussão é aquele dos radialistas rasos da América profunda. O mínimo que se pode dizer é que sofrem de um problema radical de estilo.Ah, não! Safatle, antes de qualquer outra coisa, escreve mal e argumenta mal. Se lhe disseram o contrário em algum momento, foi por amizade, afinidade ideológica ou piedade. Ou porque ele está sempre incensando a causa de radicais mais ignorantes do que ele próprio. Também é possível que as suas tias de Catalão o considerem um gênio. Não caia nessa, viu, Safatle. As minhas também me acham o máximo… Ele falar de “estilo” como se fosse autor de um grande texto… Aí já lhe falta senso de ridículo.
Que coisa, este rapaz! Num ato ILEGAL em defesa da candidatura de Dilma Rousseff na USP, de que ele foi um dos destaques, evocou as suas origens goianas para demonstrar a sua disposição de luta: “A gente dá um boi pra não entrar numa briga e uma boiada pra não sair”. Uma metáfora bastante rural, não é mesmo? A propósito: nesse ato, afirmou, como se fosse algo criminoso, que a oposição havia vencido no “cinturão do agronegócio”. O que fiz no texto que o deixou tão ofendido foi mostrar a sua proximidade com o… agronegócio, que ele estava criminalizando politicamente.
A propósito, Safatle: você é contra o direito de voto também para o povo de Catalão, incluindo os sem-terra que ocuparam as terras que seu pai reivindica (e também o Banco do Brasil), ou você é contra o direito de voto apenas para o povo de Oklahoma que eventualmente ouve Glenn Beck?
Eu não me ofendo de ser chamado de “Glenn Beck”, não! Chego a lamentar que isso seja falso por um monte de razões. Ele é um exemplo da força da democracia americana, ainda que eu não goste do seu estilo. Se esse professor tivesse o mínimo de compromisso com o ofício para o qual é pago — o pensamento, não a militância política —, tentaria estudar os motivos de a gente não ter nada parecido no Brasil. Não sou o Glenn Beck daqui, reitero e lamento. Um apresentador de TV que pusesse no ar a imagem do presidente da República e o atacasse com a virulência característica dos apresentadores da Fox News seria demitido no mesmo dia. Se não fosse, os patrocinadores todos sairiam correndo.
Sabe por que isso, Safatle? Porque, infelizmente, a sociedade civil brasileira é mais fraca do que a sociedade civil americana! Nos EUA, é simplesmente inconcebível que alguém possa ser punido ou sofrer retaliação por divergir do poder, não importa com que intensidade. O Brasil tem todos os puxa-sacos do poder que tem a CNN, mas se tem por inconcebível  que possa haver o outro lado, os “conservadores” da Fox News.
Por sinal, que existam “fieis leitores” a validar tais procedimentos, eis algo que não deve nos estranhar. Quando um pensamento chega perto do fim, ele tende a gritar de maneira desesperada e violenta.Ele pede a adesão incondicional e tal pedido ressoa, principalmente, na mente daqueles cujo último riso é apenas o sarcasmo da autoglorificação e do ressentimento.Não sei o que faz aí esse “por sinal” (né, Buffon?), mas deixo pra lá. Como bom esquerdista, Safatle me acusa e aos meus leitores daquilo que ele próprio promove, com o apoio dos seus seguidores. Sou alvo de uma campanha feroz na Internet e no campus da USP — coisa que eu esperava. Por isso, anuncio, denuncio, mas não reclamo. Tanto os encapuzados das universidades como os fascistóides assumidos deixam claro que me detestam. E eu não posso censurá-los por isso. Eles, sim, xingam, fazem acusações, atribuem-me intenções sub-reptícias… Acusam-me até, imaginem que absurdo!, de receber salário!!! Quanto ao “pensamento perto do fim”, dizer o quê? Julguem os senhores se o que morreu foi o “socialismo” de Safatle ou o, vá lá, “capitalismo” de Reinaldo Azevedo — se bem que não devo me esquecer de que falo com alguém que pertence ao “cinturão do agronegócio”.
Tudo o que se pode desejar a esse respeito é que seu riso seja bem pago. Amém. Outros preferem ver esse espetáculo em silêncio.Safatle tem a ligeira desconfiança de que não vivo de vento. Sim, eu ganho pelo meu trabalho. E sou bem-pago. Comecei a trabalhar com 15 e não reclamo de salário desde os 18.  O “proprietário” Safatle deve achar que esse negócio de “começar a trabalhar com 15″ faz os ressentidos. Pode ser… Você viu, né, Safatle?, o que fez Stálin, o filho do sapateiro… Agora uma coisa é certa, rapaz: desde os 15 vivo com o meu próprio dinheiro, sem a ajuda do Banco do Brasil. Mais: desde os 15, trabalho na iniciativa privada, e jamais pedi que o estado financiasse a minha vagabundagem. Desde os 15, exponho-me ao risco da concorrência, sem esperar que os impostos pagos pelos desdentados sustentem o meu radicalismo. Se e quando eu apoiar invasores da USP, não terei de explicar por que não apóio os invasores da fazenda de papai.
PS - Convoco aqui especialistas em literatura — e ainda os há no Brasil — para atestar que Safatle dá mostras de não ter lido  o discurso de Buffon. Ou, se leu, não entendeu. A íntegra do texto está aqui. Buffon censura o arrevesamento das idéias simples, é verdade, mas adverte: ” (…) ceux qui écrivent comme ils parlent, quoiqu’ils parlent très-bien, écrivent mal”: os que escrevem como falam, ainda que falem muito bem, escrevem mal”. Logo, entende que o texto escrito, com efeito, difere da fala — o que, convenham, é, como se diz em Dois Córregos e se deve dizer lá em Catalão, uma idéia carne-de-vaca. Mas não é só isso: Buffon só assegura que o “estilo é o próprio homem” porque faz uma digressão sobre o que eu chamaria de “caráter do texto”, que é uma metáfora, para ele ao menos, do caráter do próprio autor no que diz respeito ao compromisso com a verdade, com a correção, com o apuro técnico. Leia ou releia o texto de Buffon, Safatle! Ali ele dá algumas dicas de como casar a firmeza do conteúdo com a forma. Não é um texto de fuga.
É besteira tentar me assustar, rapaz! Você quer o aplauso dos seus eventuais leitores apenas gritando: “Olhe como esse Reinaldo Azevedo é bruto”. Os meus até podem me aplaudir  — às vezes, brigam muito comigo —, mas é porque DEMONSTREI a ruindade dos seus argumentos. De fato, à parte o seu flerte intelectual com o terrorismo, o que é inaceitável e perigoso, eu o considero mais bobo do que bruto. Mas digo por quê.

Nenhum comentário:

Postar um comentário